Fernando A Freire

Amar a dois sobre todas as coisas

Textos


TRABALHADORES DO BRASIL,
QUANDO DIRÁS: TORTURA NUNCA MAIS ? ! . . .


 
Lembro o primeiro de maio de 1943.
Getúlio Vargas homologa a Consolidação das Leis Trabalhistas.
Festa, muita festa nos grandes centros urbanos do país!...

Poucos sentiram a falta de dois agrupamentos em todo esse regozijo.
Agrupamentos, posso dizer assim, pois, de tanto dispersos e isolados onde seus serviços eram utilizados, não constituíam, à época, sequer um grupo, ou uma classe, tampouco uma categoria.

 
É que não tinham um objetivo comum nem condições de organizar-se grupalmente.

 
Por conta disso, lamentável ou vergonhosamente, não tinham leis a consolidar.


Quem ousaria criar alguma lei que beneficiasse os semiescravos? 
Que outra coisa sabiam eles fazer, senão aquelas trivialidades que os escravos todos de há muito já faziam?!...

Os dois agrupamentos são, portanto, resquícios do escravismo: o agrupamento dos lavradores e o das domésticas.  Estes permaneceram inocentes, como se escravos ainda fossem, gozando de suas insensíveis "liberdades" nos mesmos lugares onde sempre estiveram:  no campo e nos alpendres e fogões das casas grandes.

A partir do ano 1960 os "trabalhadores" rurais organizaram-se em sindicatos (ou os sindicatos organizaram esses "trabalhadores"). 
Seguiram-se onze anos de árdua luta para colocar, aqueles que atingissem os 65 anos de idade, sob a proteção da Previdência Social, em plena ditadura militar.

Passaram a receber pensão mensal equivalente a meio salário mínimo.  Uma enorme e suada conquista.

Somente a partir da Constituição Federal de 1988 foram incluídos de forma permanente no Regime Geral da Previdência Social, quando a pensão alcançou o valor básico: um salário mínimo.


E as mulheres?  Que valor tinham as mulheres?!...

Ainda há pouco costumávamos trazer do interior uma menininha para servir de doméstica em nossas residências (sem folgas, sem férias, sem feriados, sem horário ou contrato de trabalho, em muitos casos sem salário): manhã, tarde, noite, madrugada...  Sem nos apercebermos, desestruturávamos toda uma família para nos beneficiarmos de uma mão de obra barata, pra não dizer gratuita. Uma forma de, também, com a nossa ignorância ou inocência, fomentarmos a semiescravidão, subsidiados pela omissão da Justiça, da C.L.T. ou de qualquer movimento sindical para proteger aquelas criaturas.


Somente em 2014 - haja tempo!... - uma Lei, que eleva as domésticas à condição de beneficiárias dos direitos do trabalho, enfim foi elaborada, mas aprovada mui lentamente no seu todo.

Significa que, até aí, as celebrações de conquistas da classe trabalhadora eram uma falácia: uma grande parte ficava de fora, desqualificada, desprezada, como se seus humildes e caseiros afazeres fossem irrelevantes.

Um Primeiro de Maio apenas de calendário, comemorado por muitos, mas, pelos menos favorecidos, olhado de soslaio.

Consola-nos apenas esse tímido e demorado primeiro passo de 2014, visando a efetiva Abolição da Escravatura em nosso país (um passo com 130 anos de largura).


Digo melhor:
 
Conforta-nos o reconhecimento como trabalhadoras  (de fato e de direito) daquelas criaturas que realmente mais trabalharam (como servas, nas casas grandes e em nossas casas) durante os setenta e um anos que as distanciaram da mussolínica, parcial, demagógica, omissa e injusta Consolidação das Leis do Trabalho.  Getúlio cumpriu à risca, subservientemente, as orientações dos grandes latifundiários que o mantinham no poder. 
 
Ufa!... Começo a acreditar que  "Alegria de pobre dura pouco"!...

Coincidência ou inconsciência?...

Em 2016/17, o Congresso Nacional aprova uma "reforma trabalhista" que desaprova a grande parte das mudanças havidas na C.L.T. em favor da classe trabalhadora. 
 
A quem representa, de fato, o Congresso Nacional?!...

Coloca na mão dos patrões a opção do Contrato Intermitente de Trabalho, em qualquer situação, como que, de imediato, desmanchando o grande feito de 2014 e outras conquistas que o antecederam.

No caso, ficam os empregadores dispensados de assinar o contrato integral de trabalho com os seus empregados.  O Contrato Intermitente de Trabalho, opcional, obriga o trabalhador, disponível em sua casa, a ter vínculo empregatício com uma PJ ou uma PF.  É claro que o empregador somente vai lhe pagar pelos dias eventualmente trabalhados.  Quando?

Podem ser vinte dias num mês, pode ser um só dia, pode ser zero dia trabalhado...  Chamemo-lo de Contrato Esperança.  A fome espera.  A energia espera. Espera a barriga, o vestido e a escola da criança...  “E a mulher de Pedro espera alguém, para o mês que vem, pra esperar também”...

O que vale, na realidade empresarial e governamental são os números;  o seu peso nas estatísticas do IBGE.
Assim funcionando, a tendência - mais dia, menos dia - é o índice de desemprego também cair para zero, o que nunca refletirá a verdade.


Ter uma carteira de trabalho assinada dá-nos a certeza de que o contratado está trabalhando, mas não está !...  O contratado é apenas um número.  É o número que está trabalhando pra engordar a estatística.  O contratado está em casa, "esperando a morte chegar"...

A maior certeza - PASMEM ! - é a de que, no Primeiro de Maio de 2018, o Brasil não teve somente quatorze milhões de desempregados.  Faltou uma honesta medição.  Eis a engorda. Eis o engodo.

Precisamos, entretanto, como brasileiros,  refletir e analisar a nossa história, o nosso passado recente, despojando-nos do egocentrismo nosso e dos nossos pais, de nossa tendência ao preconceito e ao individualismo... e dizer, em uníssono, um sincero e estrondoso "MEA CULPA". 

Reflitamos, porque "Você também é responsável":

 
- contribuímos, por muito tempo, mais direta do que indiretamente, para a manutenção do escravismo; 
- colaboramos, com a nossa indiferença, para que as reformas trabalhistas esdrúxulas que aí estão acontecessem sem qualquer consulta ao povo, sem discussão; 

- permitimos, ainda hoje, que inopinadas injustiças sejam cometidas em nome da Lei...

Os que repudiam a salutar transferência de renda dos que mais têm para os que nada têm, aplaudem e incentivam essa nossa pobre e mórbida indiferença.

"SE ALGUÉM COMETE UMA INJUSTIÇA E VOCÊ SE POSICIONA INDIFERENTE, ENTÃO VOCÊ ESTÁ APOIANDO A QUEM COMETE A INJUSTIÇA".
 
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 01/05/2018
Alterado em 04/05/2018


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