Fernando A Freire

Amar a dois sobre todas as coisas

Textos

A POESIA E A TENDÊNCIA AO NIILISMO DA METÁFORA
 
     
      O modernismo 
       
      Poesia é o instante maior da criatividade literária.   Significa veemência no descrever: o belo ou o horrível;  o amor ou o desencanto;  a felicidade ou a dor;  o possível ou o impossível; o bem ou o mal; um estado de espírito ou algo indescritível...   Carece da inspiração e do poder de síntese do poeta e muito pouco do seu poder de sedução ou de persuasão. 
 

     Às vezes, uma só palavra simboliza o quase tudo de um dizer poético:  “A.” (M.Bandeira), "Isto” (F.Pessoa),  “Tu” (M.Bandeira),  “Se” (Rudyard Kipling)...    O título,  que pode ser simbólico,  como parte do poema, nos convida a uma reflexão  ou nos atrai por mera curiosidade.    Como leitores, somos também instados a sorver esse poema movidos pela ansiedade do poeta, pelo proposital título chamativo e, sobretudo, pela força de suas metáforas.   É como se, antes de ler, estivéssemos a alertar:  “Queremos pensar!” 
Pensemos, pois:


     Esse longo caminho percorrido / lado a lado, nos bons e maus momentos, / faz de nós dois um ser unificado...”  (Drummond).   

     Cabe aqui observar que se trata de uma composição poética de poucas palavras, em que o poeta dá o seu recado culminando com uma metáfora.  Algum leitor iria, por acaso, entender que o poema trata do tema “xifopagia”?!...   Ou que o  poeta tenha tentado ir de encontro à lei da física (em que dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo espaço)?!... Está perfeitamente inteligível que duas pessoas se atraem por terem vivido, juntas, situações prazerosas e/ou de não raras dificuldades.  O recado do poeta está dado com clareza ao seu parceiro e ao seu público.   E são assim as composições de intenção poética:  ocupam pouco espaço e representam o todo criativo com o uso útil, belo e quase indispensável dos títulos, símbolos e/ou metáforas.  Mas, Drummond, por via das dúvidas, porque as interpretações de um poema são múltiplas, completa o seu pensar com mais este verso: 

     “...pelos mais fundos e ternos sentimentos”.


     É evidente, o poeta antes de tudo é um facilitador.  Drummond quis ser esse facilitador.  Metaforizando, o poeta observa, com um dos olhos, um fato real.  Com o outro, transforma esse fato em linguagem poética, elegante, em versos rimados e ritmados (para facilitar a assimilação) e em expressões que afetam o senso literário da pessoa com quem ele julga estar interagindo.
  

     Vejamos mais outro poema que traz o uso intenso da metáfora:

     “Viagem à roda do mundo / Numa casquinha de noz: / Estive em Cabedelo. / O macaco me ofereceu cocos (Manuel Bandeira).

     Vê-se o uso de uma ou duas metáforas na mesma estrofe.  O poeta chama “casquinha de noz” ao navio de pequeno calado que o levará longe.   Quanto ao “macaco”, podemos julgar que tenha sido mencionada a gentileza do homem (tirador de cocos) que trepa no coqueiro desprovido de qualquer instrumento de segurança, apenas com o auxílio dos pés, das mãos e de uma pequena corda em volta do tronco.   Quase se igualando ao macaco – que utilizaria a cauda no lugar da corda.    

     Esse nosso entendimento está aqui colocado por duas razões: 

     a) dificilmente, um animal estaria de posse de mais de um coco para a oferta (no poema o termo “coco” está pluralizado);

     b) temos conhecimento próprio de que Cabedelo é uma cidade portuária (praieira) onde não há registro da existência de floresta em seu redor que abrigasse tais animais (de um lado é um rio, do outro é o mar);
   sua vegetação, à época, era constituída de vastos coqueirais e cajueiros;   seu terreno, salino-arenoso, sempre foi impróprio para o plantio da bananeira, que dá o fruto preferido por essa espécie de animal.

     Considerando, pois, a segunda possível metáfora (macaco), e por sermos leitores mais próximos da realidade cabedelense, optamos por designar o texto como de metáfora dupla.     A partir desta nossa opinião – é natural –, muitos leitores poderão julgar ou sopesar que a metáfora não é propriamente dupla, mas dúbia.   O entendimento, portanto, seja desta, seja de qualquer outra composição poética, é deixado ao sabor daquele que a interpreta.   Se essa interpretação é feita por quem está mais perto da realidade do ambiente em que o poeta se inspirou, e se a metáfora utilizada simboliza elementos contidos naquele mesmo ambiente, então a interpretação estará mais aproximada daquilo que o poeta captou e quis transmitir para o seu leitor.  Salvo se ele, à distância, simplesmente finge a interação com o animal, seduzido pela imagem de uma densa floresta de coqueiros e cajueiros existente à época.


     Fernando Pessoa caracteriza muito bem essa afirmativa com o poema “Isto”:

     Dizem que finjo ou minto / tudo que escrevo. / Não. /  Eu simplesmente sinto / com a imaginação. / Não uso o coração./// Tudo o que sonho ou passo,  /  o que me falha ou finda,  /  é como que um terraço  /  sobre outra coisa ainda.  /  Essa coisa é que é linda. ///   Por isso escrevo em meio  /  do que não está ao pé,  /  livre do meu enleio (prisão)  /  sério do que não é.  /  Sentir?  Sinta quem lê!.
   

         Se lemos, queremos sentir e pensar - e o pensar e o sentir são livres.  O poeta tem por função, tão somente, instigar o estado poético do seu leitor.   Depende dele (o leitor) aceitar, entender, assimilar e suportar a realidade que lhe está sendo passada.   Drummond, com certeza, foi um desses motivados intérpretes individuais de Fernando Pessoa.   Tomou por base (supomos) o verso “Essa coisa é que é linda” e o decidido “Não”, e construiu o seu também maravilhoso poema “Memória”:

     “Amar o perdido / deixa confundido / este coração. ///  Nada pode o olvido / contra o sem sentido /  apelo do Não. ///  As coisas tangíveis / tornam-se insensíveis / à palma da mão.  /// Mas as coisas findas, / muito mais que lindas, /  essas ficarão”.
 

     Drummond sobrepõe o seu terraço ao de Fernando Pessoa e vem esboçar o seu estado poético para o deleite (ou não) dos que leem e confrontam os dois textos.

     Voltemos às metáforas.  Manuel Bandeira nasceu em 1886.  Viveu 82 anos e, desde a juventude, esteve acometido de uma incurável tuberculose.  Escreveu  sempre como um eterno condenado à morte no dia seguinte, pensando ser o último cada um dos seus novos poemas.   Tenta, contudo, repassar um estado de serenidade e de humildade aos seus leitores, com sofrido e fingido embevecimento.  Vale-se das metáforas para bem traduzir e transmitir esse dolorido sentimento em:  “Preparação para a Morte”:

     “A vida é um milagre.  /  Cada flor,  /  com sua forma, sua cor, seu aroma,  /  cada flor é um milagre.  /   Cada pássaro,  /  com sua plumagem, seu voo, seu canto,  /  cada pássaro é um milagre.  /  O espaço infinito,  /  o espaço é um milagre.  /  O tempo infinito,  /  o tempo é um milagre.  /  A memória é um milagre.  /  A consciência é um milagre.  /  Tudo é milagre.  /  Tudo, menos a morte.   /    Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”.

     Em suma:  cada novo dia significa para ele um milagre, até o fim.   Circunda o seu túmulo, conscientemente, todos os dias, com o imaginário perfume das flores e o canto dos pássaros.

     
     O pós-modernismo


     Hoje, a poesia se vê tragada pelas metáforas e neologismos do pós-modernismo.  Desde a segunda metade do século passado, verificam-se, em progressão geométrica, mudanças nas ciências, nas artes, nas letras, nas condições sócio-ambientais..., que afetam, sobremodo, as relações do homem com a natureza, com o seu ambiente sócio-cultural e, principalmente, na interação  com os seus semelhantes.   O pós-modernismo se chama informatização e globalização.  É desqualificado o indivíduo que desconhece o uso e a utilidade do computador, do micro, dos chips, dos vídeos, das micro-câmeras, da digitalização da imagem, do laser, da biotecnologia, da comunicação via celular, da medicina nuclear...  Ele é o alvo do consumo desses serviços, influenciado pelas telecomunicações, pela publicidade e pela mídia.   Vivemos à mercê do soft e do hardware, do off e do on-line.

     Aí, uma pergunda fazemos:

     Como está vivendo o poeta nesta era robotizada?   Era em que o “sim” e o “não” deixam de existir e dão lugar ao “enter” e ao “delete”, de efeito rápido e até devastador.  Devastador, sim.   Olhemos nossos jovens, endeusados com o poder de vida e morte sobre os soldados ou bandidos estampados nas telas de seus videogames.  A “morte”, tão divinizada por Manuel Bandeira, agora banalizada.   O “não”, tão conscientemente empregado pelos poetas Fernando Pessoa e Carlos Drummond, em poemas sentimentalmente irmãos, agora tão corriqueiro na eliminação até de arquivos pertinentes a todo um acervo histórico.  É como se a imaginação humana estivesse sendo apagada e a representação da realidade pela linguagem poética não fosse mais confiável.   

     A rapidez da máquina está substituindo a lucidez dos  homens.  

     Hoje, qualquer canção ou qualquer instrumento podem ser reproduzidos por um único equipamento eletrônico.  Sem vida, sem sabor, sem amor, sem a magia de nossas mãos e de nossa audição.   Tudo é tão rápido, tão absurdamente rápido, que estamos perdendo os sentidos de tempo e movimento, de formas de pensamento e de ação, de espaço e de percepção.    Nossas metáforas, colocadas num programa de pesquisa, não traduzem o subjetivismo desejado.  Nada mais é relativo.  Estamos todos, no mundo inteiro, subordinados a um regime técnoabsolutista*.   

     Não se pode garantir que "as coisas mais que lindas ficarão".    

     No pós-modernismo, nada tem rumo certo.  


A rapidez da máquina se sobrepõe
à perspicácia humana. 
Quanto mais ela se distancia,
tanto incerto é o seu rumo. 
E o homem,
ser pensante,
insiste em seguir
a hesitante caminhada
da máquina viandante,
mesmo na rota errada,
em busca do nada.



                                                     Fernando A Freire

 
*neologismo.            

Bibliografia:                                                                                                                      

-  Estrela da Vida Inteira - Bandeira, Manuel – Editora Nova Fronteira. 

-   Fernando Pessoa – Uma Quase Biografia – Paulo Cavalcanti Filho, José  – Record Editora. 

-  O que é pós-moderno – Santos, Jair Ferreira – Editora Brasiliense.

-  Os Poetas, Um Poeta (Artigo publicado no caderno Editorial do Jornal do Commercio -  Recife, 19.01.2011) – Fátima Quintas – Escritora e Poetisa – Academia Pernambucana de Letras.

-  Mestres da Literatura Brasileira e Portuguesa – Poesia Errante – Drummond de Andrade, Carlos – Editora Record. 


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Interação de linguagem poética  - 25/09/2011 16:47 -
Poetisa Edla Princesa  -  Boa Esperança - ES


Fica o poeta e sua poesia,no caminho
traçava o destino de seus sentimentos
roteiro de viagem que fazia sozinho
quase em sepulcro do lixo, esse momento

Coração que cantava em versos ,a "Flor" bela
amores ou desamores,dor real ou fingimento
modernizado, é peça de jogo,o game na tela
demodê,as metáforas,já não causam lamento

O poeta e a poesia,sobrevivendo a essa era
sofrendo por ver se esvair a inspiração
viveu e cantou a vida,sempre como primavera
já não ouve as vozes e canções do coração
      
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Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 25/09/2011
Alterado em 04/01/2012


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