Fernando A Freire

Amar a dois sobre todas as coisas

Textos

NÃO MAIS ME VERÁS !               Parte  II


É forte.  Um quarto de hora depois, mesmo tendo passado a noite indormido, abre os olhos e se ergue.  Está no sofá do seu aposento.  A enfermeira lhe pede para descansar mais um pouco e  não trancar a porta.  – Pelo menos até a vinda do médico.   Refeito, não sabe ainda se Irma chegou. Sua musa desde a juventude. Relembra um poema antigo.  Tenta reescrevê-lo.  Adormece.  Caneta e papel no chão tapetado.

Irma é avisada de que um senhor, cinquentão, fora removido, semi-desmaiado, para a enfermaria.  Preocupa-se.  Abandona a cerimônia e sai apressada.

Aprova os procedimentos adotados pela enfermeira, contudo acha válida uma avaliação cárdio-neurológica do paciente.  Caminha até o aposento do “senhor Fred”.

Porta entreaberta.  Empurra-a, silenciosamente, pela maçaneta.  Somente um foco de luz, vinda da escrivaninha, clareja as mãos de um homem que dorme.  A enfermeira agacha-se para apanhar uma folha branca de papel e a esferográfica soltas  ao lado do sofá.  Irma não precisa acender outras luzes pra confirmar, sem sobressaltos, que o inesperado paciente é o Fred da sua idade moça. Procede aos exames.  Tudo bem.  Dispensa o auxílio da enfermeira e fica um pouco a sós com ele. 

O “doutor Uílio” está à sua procura.  Sapatos macios, não se ouvem seus passos pelo corredor.  Diante da porta aberta, para.  Irma escreve apoiada na escrivaninha e se assusta com a presença do novo chefe de equipe da Casa.   Ele sussurra um pedido de desculpas e recua.  – “Por certo, prescreve uma orientação médica” – depreende.  Ela dobra o papel e o enfia no bolso da camisa sobre o peito esquerdo do paciente.  Deixa, na escrivaninha, uma caneta com o seu nome gravado.  Uma forma de dizer:  ”Estive aqui”.  O “doutor” Uílio somente desconfia quando ela põe na bolsa, como às escondidas, um outro papelejo preso por uma esferográfica sobre a mesa.
 

Irma se despede do pessoal da Casa, faz mais algumas recomendações na enfermaria, sai e toma o ônibus para Neves, a capital do estado, a vinte quilômetros de Cabo de Areias, onde reside.  Durante a viagem, lê o papel rabiscado que guardara: “...mudei quase nada. Talvez, só metade: meio de mentira, meio de verdade.      Mudei de amor, mudei de dor...  Só não mudei de saudade”.

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A seguir:  partes III a V
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 05/11/2011
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