NÃO MAIS ME VERÁS ! Parte II
É forte. Um quarto de hora depois, mesmo tendo passado a noite indormido, abre os olhos e se ergue. Está no sofá do seu aposento. A enfermeira lhe pede para descansar mais um pouco e não trancar a porta. – Pelo menos até a vinda do médico. Refeito, não sabe ainda se Irma chegou. Sua musa desde a juventude. Relembra um poema antigo. Tenta reescrevê-lo. Adormece. Caneta e papel no chão tapetado. Irma é avisada de que um senhor, cinquentão, fora removido, semi-desmaiado, para a enfermaria. Preocupa-se. Abandona a cerimônia e sai apressada. Aprova os procedimentos adotados pela enfermeira, contudo acha válida uma avaliação cárdio-neurológica do paciente. Caminha até o aposento do “senhor Fred”. Porta entreaberta. Empurra-a, silenciosamente, pela maçaneta. Somente um foco de luz, vinda da escrivaninha, clareja as mãos de um homem que dorme. A enfermeira agacha-se para apanhar uma folha branca de papel e a esferográfica soltas ao lado do sofá. Irma não precisa acender outras luzes pra confirmar, sem sobressaltos, que o inesperado paciente é o Fred da sua idade moça. Procede aos exames. Tudo bem. Dispensa o auxílio da enfermeira e fica um pouco a sós com ele. O “doutor Uílio” está à sua procura. Sapatos macios, não se ouvem seus passos pelo corredor. Diante da porta aberta, para. Irma escreve apoiada na escrivaninha e se assusta com a presença do novo chefe de equipe da Casa. Ele sussurra um pedido de desculpas e recua. – “Por certo, prescreve uma orientação médica” – depreende. Ela dobra o papel e o enfia no bolso da camisa sobre o peito esquerdo do paciente. Deixa, na escrivaninha, uma caneta com o seu nome gravado. Uma forma de dizer: ”Estive aqui”. O “doutor” Uílio somente desconfia quando ela põe na bolsa, como às escondidas, um outro papelejo preso por uma esferográfica sobre a mesa. Irma se despede do pessoal da Casa, faz mais algumas recomendações na enfermaria, sai e toma o ônibus para Neves, a capital do estado, a vinte quilômetros de Cabo de Areias, onde reside. Durante a viagem, lê o papel rabiscado que guardara: “...mudei quase nada. Talvez, só metade: meio de mentira, meio de verdade. Mudei de amor, mudei de dor... Só não mudei de saudade”. __________________________________________________________________________ A seguir: partes III a V Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 05/11/2011
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