Fernando A Freire

Amar a dois sobre todas as coisas

Textos

UM PEQUENO CONTO QUE LEMBRA PLUTARCO
(historiador e moralista grego).


Hora do almoço. Dois cãezinhos de caça estão presos, famintos.
 
O de boa raça - porém não adestrado -, ao se soltar, sai em disparada para comer toda a ração, adredemente colocada perto do ambiente onde os dois se encontravam.

O outro cãozinho, de raça não apurada - mas suficientemente adestrado -, ao se sentir livre, volta à faina que havia sido interrompida, isto é, parte firme em busca da caça. Uma condição para receber a recompensa do seu agrado.

                                                  .  .  .

Comentemos essa historieta aparentemente desengraçada.

A princípio - digamos -, o conto se refere não só ao adestramento de irracionais, mas, de forma penetrante, também ao comportamento dos racionais.

Sugere que a resultante de um bom treinamento (para os irracionais) ou a boa educação (para os racionais):

     supera a índole ou o temperamento dos indivíduos;

     desmonta ou remonta, se necessário, a ordem natural das coisas, induzindo-os à escolha;

     contém ou modera os desígnios instintivos de cada um desses seres . . .

Depois, deixa claro que a natureza é eficiente no que respeita à geração, criação e manutenção (irrazoável) de todos os seres.  Organização é coisa própria dos racionais.  Conforme Leonardo Boff, a natureza desconhece o que os racionais chamam de lixo, monturo, imundície, reciclagem...

Daí, o criar ser uma tarefa das mais fáceis e menos onerosas.  É só deixar os viventes submetidos a essa frouxa eficiência da mãe natureza.

Ainda bem que, como vimos antes, mesmo o irracional se submete à desordem natural daquilo que lhe é intrínseco, isto é, do avançar instintivo sobre a ração sem se preocupar com a fome do seu semelhante.  Quando suficientemente treinado, ou condicionado, ele pula a ordem natural e vai em busca da melhor opção em  situações adversas.

Tratando-se de racionais, o simples criar, o somente criar, também nos parece insuficiente.

O conto nos induz a aceitar que a suficiência - um tentáculo da organização - somente será suprida pela via do processo educacional, que visa sobretudo:

     a socialização do indivíduo;

   a descoberta do que é ideal para ele - como ser político - e para o grupo ao qual pertence;

     a valorização do seu esforço dentro da organização do trabalho;

   a recompensa de sua luta em favor de uma verdade, que é o seu próprio bem.

E, por falar em verdade, é claro que sempre almejamos o melhor para (escolhamos) os nossos filhos, isto é, sempre queremos para eles a presa mais robusta, de excelente qualidade e de maior valia.

Só que, muitas vezes, esquecemos de lhes ensinar - ou não o fizemos em tempo hábil - as técnicas e os desafios da caça.

Lembremo-nos, pois, que quanto mais densa a mata onde a caça se disfarça, tanto maior a necessidade da presença de um caçador sagaz e de reconhecida habilidade.

Enfim, só os irracionais, não adestrados, almoçam de graça.  Manifesta eficiência da natureza.  Mas é isto suficiente?
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 21/02/2014
Alterado em 23/02/2014


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