BORBOLETA, MAIS-QUE-PERFEITA
És símbolo alado da perfeição. Quanto a mim, sei do meu ser imperfeito. Imperfeito principalmente para julgar-te. Por conta dessa minha falha incorrigível, não sei se te admiro a beleza ou choro tua sina. Tento driblar esse dualismo, dissecando, pra começar, o belo que te cobre e que tão bem representas, aliás, de forma um tanto desvanecida. Multicolorida, vieste ao mundo para ensinar aos viventes que eles seriam bem mais bonitos e produtivos se sonhassem sê-lo, se lutassem por esse sonho possível, não de metamorfosear-se, mas de recristalizar-se, de transformar-se, de afeiçoar-se e aperfeiçoar-se sempre. Quem sabe, essa beleza sonhada proceda de uma redenção ou da aceitação de um sofrimento em que o algoz, diante de um espelho, um dia se reconheça em sua própria vítima! Ensina, pois, que esse caminho de expectativa rumo ao bem e ao belo, se abre, como tuas asas, para todos os seres - racionais e irracionais - que se digam dignos do polimento da santificação. Ah, que belo e edificante é o teu revoar!... Mas, vale lembrar teu outro lado da vida, tua sina, um pedaço sofrido da construção do teu ser. Uma página da história da natureza que bem assimilei. Pelo que apreendi - permita-me contar -, nasceste em um ninho de larvas. Ali te alimentaste e cresceste, rastejante, nauseabunda, repugnante... Pior: predadora de tenras plantas vivas. Daí, como que por castigo, viraste alimento de aves esvoaçantes cujos voos admiravas. Tu, para elas, simples nutriente... Larva crescida, evoluída... Entregar-se a elas como caça, sem luta, seria o fácil fechar do ciclo de teu já traçado destino: princípio, meio e... tudo acabado. Mas, considerando tuas defesas, teu desespero e tua vontade de sobrevivência, vi que parecias buscar algo melhor para ti, mesmo que, a princípio, o sentido da busca se confundisse com um sonho dito impossível. Despertavas o interessante zombar de teus semelhantes com esse teu querer. Querias imitar os pássaros. Querias ganhar asas para te tornares igual na luta contra tuas potenciais devoradoras! Sim, sei! Nem sempre o simples querer é poder. Mas tinhas um sonho e brigavas por uma causa que te reanimava sempre: largar aquela vida atribulada de inseto fútil, quiçá inútil. Sei! Um dia pediste a Deus uma guarida, mas, para tua decepção, como se se fizesse de desentendido, Ele apenas ordenou que construisses o teu próprio e casuloso túmulo. Vi-te conformada porque, pelo menos, não te perseguiriam naquele lúgubre cubículo. Vi como agradeceste ao teu Criador aquela forma menos dolorosa de morrer, bem mais decente!... Assim o fizeste, obediente, condescendente... Em teu casulo sem lápide, silencioso e escuro, a mais completa solidão. Nem o som dos ventos, nem os raios de sol ou da lua ali penetravam. Encasulada e não mais alimentada, somente consumias as lágrimas de teus últimos dias. No entanto, inacreditavelmente, ainda sonhavas. Quão imenso era o teu sonhar! E, em teu último sonho prisional, pressentiste a dispersão das larvas de uma lagarta putrefacta. Por isso, o teu despertar receoso. Despertaste. Despertaste enaltecendo a morte, sim, a morte do que eras. Teu antigo sonho metamórfico atingia a dimensão de um milagre, o além do teu querer. Ganhaste, então, as mais belas asas, não para exibi-las em concursos de fantasia, mas para te auxiliar na compensação das perdas causadas à natureza em tua outra existência. Não mais te sentindo aquele nocivo e rastejante inseto, voas, agora, altaneira, sobre extensos campos e jardins, beijando as flores que encontras e que sempre te encantaram, acariciando-as, polinizando-as, engravidando-as... Perante os demais seres que te cercam, atingiste a ambicionada perfeição, o cume da esbelteza e da beleza. Por isso, terás uma morte abençoada e aerificada. Teus sossegados e prazerosos quatro dias de vida me trazem exemplos de luta em busca do bem e do engrandecimento de todos os viventes; uma luta pelo aperfeiçoamento do tudo que nos cerca; pelas boas causas libertárias; pela aceitação da vida como ela é, necessitada de permanente evolução, nunca de acomodação. Provaste-me, querida borboleta, quanto árduo é o caminho da perfeição e quão curta a sua duração quando a atingimos. Um tempo do tamanhinho da tua eternidade. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 01/11/2014
Alterado em 03/11/2014 |