Fernando A Freire

Amar a dois sobre todas as coisas

Textos

DEMOCRACIA?


Filha, você votou. Cumpriu sua obrigação democrática. Faz cinco meses, você votou. Por que vai às ruas, agora, pedir a saída da candidata eleita, em quem você não votou? Não me lembro de ter-lhe dado, alguma vez, essa lição antidemocrática de inconformismo. Perdeu? Enrole sua bandeira e se prepare para outro embate, desde que democrático. Presidente não tem cargo vitalício, como nas ditaduras.

Sei. Foi o marido, meu querido genro, quem lhe influenciou. E levaram meus dois netos - dez e doze anos - rostos pintados de verde e amarelo - pra essa festa da democracia. Democracia?

Sei. Vi a faixa que vocês levaram. Foram pedir a intervenção militar. Que vingança é essa, filha? Eu, que vivi vinte e um anos de ditadura em nosso País - e tive que respeitar os generais presidentes, porquanto sobrevivi -, só posso ficar triste com essa escolha de vocês. O Brasil viveu duas vezes sob a égide da espada no século vinte. Serviram para deixar o brasileiro mais subserviente e menos politizado. Não desejo esse mal para mais de duzentos milhões de brasileiros. Vocês não merecem.

Sei. Ao chegarem a casa, exaustos, mas felizes, ligaram a TV e viram dois ministros do governo fazendo, democraticamente, a avaliação das passeatas de protesto. Você nem quis ouvi-los. Correu à cozinha e pegou uma panela. Foi bater sua panelinha no terraço, pra todo mundo ouvir. Um já previsto panelaço, caso a presidente fosse à TV. Democracia? Não! Você esqueceu que seu vizinho gostaria de ouvir aquele pronunciamento. Você esqueceu de que nossos direitos são limitados e seguem até onde começa o direito do outro. Não me lembro de ter-lhe dado, alguma vez, lição semelhante de desrespeito ao outro.

Meus netos assistiram, e participaram, dos seus procederes. Já sabem como deverão comportar-se perante as autoridades constituídas que não sejam do seu agrado. Comportamento aprendido com os pais, dentro e fora de casa.

Hoje eles vão à escola... Sabem que, na escola, a autoridade máxima, presente em sala de aula, é o professor...

E se eles não gostarem da matéria que lhes está sendo passada?

E se eles não gostarem do método utilizado pelo professor?

E se eles, desinteressados do assunto, resolverem bater forte em suas cadeiras, mesmo sabendo estar prejudicando o seu colega, vizinho?

E se eles, junto a outros desinteressados, rebelados, resolverem expulsar o professor da sala de aula?...

Torço para que isso não aconteça, mas você sabe que, nas escolas, isso não é raro acontecer.
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 16/03/2015
Alterado em 20/03/2015


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