Breve análise do livro “MEMÓRIAS DE INSTITUIÇÕES E DE MÉDICOS VENERÁVEIS” – Reflexões Poéticas – Sebastião Ayres de Queiroz.
Médico. Nos momentos de descanso, poeta e fecundo prosador. Tempo não lhe falta para bem desempenhar, sobre todas as coisas, os papéis de pai de família, avô e bisavô. Octogenário em plena atividade. Um durázio daqueles que “amarram o seu tempo a um poste”. Pediatra antropológico e fotógrafo social, Dr. Sebastião Aires de Queiroz nesse livro se revela como um prócer escritor, do tipo que não inventa, mas pensa, cutuca a memória, registra, pesquisa, descobre e traz à luz a realidade de sua missão na Terra e a dos seus contemporâneos – médicos e/ou poetas –, igualmente missionários. Dentre os veneráveis que atuaram nos rincões paraibanos, presta uma homenagem especial ao médico, mártir da ciência – Dr. Napoleão Laureano –, com uma comovente composição poética de irmão. Soneteia a devoção humanitária desse mártir no combate ao câncer, moléstia que “engendrou o seu calvário” no início da década de cinquenta. Presta marcante homenagem a outros semideuses, também médicos por vocação, dando destaque especial ao Dr. Severino Bezerra de Carvalho, um renomado médico pernambucano que se instalou no coração dos campinenses. Um voluntarista intensamente humano, tanto que não sabia cobrar os serviços prestados aos seus pacientes. Dirigiu a Faculdade de Medicina de Campina Grande, que ajudou a fundar. Amante da medicina, da música erudita, da literatura nacional e universal, publicou obras para a humanidade escritas em diversas línguas. Um sábio. Inclui nesse rol de homenageados, os semideuses costureiros: aqueles que tecem, costuram, remendam e recuperam a vestimenta da vida. Semideuses engenheiros: aqueles que constroem pontes com as safenas - vigas da vida - removidas dos membros inferiores para um plano mais elevado. Verdadeiros operários abridores de valas nas artérias que irrigam as células da vida com o sangue do coração. Cada um com sua experiência e suas ferramentas, além de múltiplos conhecimentos e habilidades. Todos, mantenedores de suas crenças, valores e particularidades. Notáveis escrevinhadores de suas próprias histórias... Como se houvesse um hiato nesse livro, o autor dedica extenso poema ao Dr. José Alberto Gonçalves da Silva, um religioso monástico que, circunstancialmente, se entregou com afinco à medicina, por compreendê-la como profissão igualmente divina. Poematiza – “trazendo-os de novo ao coração” – a biografia de outros colegas contemporâneos que também já partiram: uns quase alcançando o centenário, outros prematuramente. Destaca a centúria do poeta e médico Eugênio de Carvalho, que dedicou parte de sua vida ao estudo e à educação alimentar. A outra parte à poesia, uma associação que lhe deu longevidade. Não sei se algum médico não é poeta: aquele que sabe, sente e expressa a dor e o amor; aquele que vibra com a continuidade da vida: o nascimento de um ser e seu desenvolvimento saudável; aquele que compreende os fenômenos da natureza, mas alimenta a esperança e luta pelo adiamento da morte; aquele cujo caráter idealista de poeta e/ou missionário, repele o ócio ou a aposentadoria. Segue sua caminhada, ama a vida, tal como se vê num preâmbulo de doenças infecciosas, escrito pelo Dr. Guilhardo Martins: “A vida é uma mensagem de alegria, paz e amor. De sabedoria e de fraternidade”. Segue sua caminhada, sim, até o fim, como expressa a Martha, que assistiu a morte do seu pai, o poeta Manoel de Barros: “ele foi se apagando como uma velinha”. E é exatamente a esse poeta - Manoel Werneck Leite de Barros - que o autor dedica vinte e três páginas do seu livro. Um poeta mato-grossense que chegou aos nossos dias (faleceu em novembro passado) e que muito o influenciou nas lides literárias. Recomenda a leitura dos seus livros (Manoel de Barros) e cita alguns trechos que denotam sua erudição: “O tempo só anda de ida. A gente nasce, cresce, envelhece e morre. Pra não morrer é só amarrar o tempo no poste” – “A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela”... Millôr Fernandes publicou alguns de seus poemas em revistas e jornais. Chegou a chamá-lo de “O Guimarães Rosas da poesia”. Leem-se, em seguida, “Saudáveis Haicais”, poemas de estilo japonês constituídos de três versos. Pela facilidade de assimilação, o autor os utiliza, em grande parte, para divulgar verdadeiras vinhetas de advertência relativas à saúde e aos serviços públicos: “A vil cocaína, / nos efêmeros prazeres, / da vida, é ruína” – “Imersa na lama, / eis que a Lagoa do Parque / recupera a fama”... Aí, bem lembrado no prefácio de Paulo José de Sousa – ”...acordado estou dormindo. / Dormindo estou acordado.” –, dedica sonetos à “Brisa companheira” e às suas redes – “Canção para minhas redes” –, peça de uso doméstico em que o poeta se deita e se balança para buscar ou renovar energias. Os vaivéns dessa rede caracterizam a regência, em dois tempos - marcados pelo esvoaçar das varandas -, das belas cantigas de ninar, nos solos executados pela mãe. Vaivéns de uma rede nalgumas vezes silente – para não incomodar o seu sonhar –, noutras vezes subserviente, de tanto balançar e se curvar. Balançar uma rede solfejando uma cantiga de ninar, não é diferente de, no intenso calor de verão, durante a missa dominical, “a mãe soprar os cabelos de uma criança velando, carinhosamente, seu sono inquieto”. Por isso, um dos punhos dessa rede ficou armado na prosa poética “Amor maternal, substantivo concreto”. O outro punho também está enganchado nos “Gratos prazeres da vida”, poema que ilumina o caminho da Verdade, do Bem e do Belo, ao estimular a meditação e o diálogo como instrumentos de uma melhor convivência com o próximo, em especial os amigos e os familiares. E é daí que nasce a confirmação do seu amor à família: outra prosa poética escrita num sofrido e feliz vinte e quatro de agosto, que teve por denominação as “Boas vindas às bisnetas Luísa e Júlia”. Também dedica um amor “tamanho família” aos lugares onde já trabalhou e aos onde ainda se integra e se entrega como membro ilustre: Academia Paraibana de Medicina e Academia Paraibana de Poesia. Eis o convite à leitura desta obra – o quinto livro publicado pelo Dr. Sebastião Aires de Queiroz – que nos faz pensar que o tempo está amarrado em cada uma de suas páginas, como que suspenso. Contém lembranças que passeiam em nossas mentes, enquanto refletimos e aprendemos a semear as boas sementes com os veneráveis vultos biografados. Biografias que enriquecem a nossa história e que o poeta, médico e escritor, penetrando habilmente em nossas almas, pretende implantá-las – quais saudáveis safenas – em nossos corações. E encerra com um soneto precioso, um tributo a Nelson Mandela. Aí, não precisa dizer mais nada! Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 24/04/2015
Alterado em 07/05/2015 |