SOBEM OS ORDINÁRIOS, DESCEM OS DECIMAIS
Somos uma nação que não lê. Mentalidade de sociedade escravocrata, precisamos mesmo é de domésticas sem direitos trabalhistas, do tipo que nem mesmo aprendeu a ler as receitas do patrão. Precisamos é de mãos humanas calejadas de tanto moer... de moer cana nos velhos engenhos de banguê, ou mais calejadas ainda por lavrar a terra nua, tão caprichosamente como se um tantinho dela fosse sua. Precisamos daquela gente de pés desnudos, corpo em descanso escorado ao cabo da enxada, cabeça enchapelada com roto chapéu de palha, inchada do calor solar e de tanto suar, mas - diferente doutra gente - sem sobra de espaço pra pensar, como se só a sombra falha do chapéu lhe valha . . . Ler? A gente de que precisamos até que leria nas páginas de um leirão os traços que fizeram com precisão, enquanto empunhando a enxada! “Ler não é preciso. Moer é que é preciso"... Moer a cana... revolver a terra... Ler não é preciso... Ler não é preciso... Todos cantam em uníssono, no ritmo e no íntimo, essa canção amarga: homens no campo, mulheres na cozinha ou descascando tubérculos na casa de farinha. E nós, escravocratas, infiéis intérpretes dessas tênues vozes - imaginando-nos com o chicote à mão -, nada captamos desse refrão. Não entendemos que, a despeito de nós - seus históricos e estéreis algozes -, eles se entregam ao árduo trabalho indiferentemente, mesmo que de graça, só por amor à raça. Há algo latente no canto triste ou heroico dessa gente! ... Arre lá, pouco importa!... Importa-nos, sim, o produzir. Mas, quem vai conduzir nossa produção? Ah, sim! Restam os estivadores, concorrentes de nossos burros de carga: sacas pesadas de semente às costas, ombro ou cabeça. Estratégia para aliviar a dor lombar que acaso aconteça. . . . Sobre essas dores, às vezes da alma, nada se esfrega. Bandagens são bobagens. Dores que somente doem em estivadores . . . Dores? Ainda existem aquelas das quais fomos e somos exímios provocadores. Dores dos que largam sua terra natal, a não prometida. Dores de retirantes sertanejos, nordestinos indigentes, serenos ou brutos matutos, que, subnutridos, emigravam para RJ/SP à cata de subemprego, sem nada saber fazer sem a enxada. Às vezes, ali ficavam sem moradia, comida ou cidadania; sem norte e, quando tinham sorte, junto aos parentes, igualmente famintos e doentes, desprotegidos do frio sob os viadutos, ou junto ao lixo na imundície e aspereza das calçadas dos casarios, ou à beira das engarrafadas rodovias ... Se ainda de aparente musculatura forte – cá pra nós – até nos interessava essa mão de obra barata e fugidia, semiescrava, aparência de gente vadia, mas ainda sadia, provinda da região Nordeste ou doutros rincões lá do Norte . . . Pensar? Ora, vamos acabar com esse critério tolo de selecionar!... Pensar é requisito supérfluo diante da nossa convicção de que os que acham que pensam logo se apoderam do poder. Pensar pra quê?! . . . De que nos serve essa danosa ilusão chamada Ministério da Educação?!... Mudemos esse nome idiota para “Ministério da Servidão” ou o rebaixemos para “Secretaria dos Seinão”... Seríamos mais autênticos . . . Aliás, autênticos até que somos ao indicar um dom chicote, descendente de la mancha do irracional coronelismo nordestino, para comandar – digo, controlar – o saber nacional. É fácil, oremos!... É só decretar a verdade socrática de que todos cremos: “sabemos que nada sabemos” - salvo os que alçam os muros do poder -. Aí, tudo virará a Educação do Impensar . . . Não é que virou mesmo área de impensada limitação!?... Doravante, seus recursos ordinários terão por base o último índice inflacionário. Está assim, a Educação, condenada a jamais ter ganho real, mesmo que para tanto seja preciso alterar a sacra Constituição. Pra nós, escravocratas de plantão, nada mal. Simplesmente - é o que se deduz -, uma ligeira retroação na área que nada produz: a da Educação. Como!? . . . Basta fazer a comparação do hoje com o passado recente e projetar a curva descendente para os tempos que virão. Ora, o País conta, agora, com 7,8 milhões de universitários. Exagero pra um país de agricultores, pescadores, estivadores e de tão poucos proprietários. Bom mesmo era 15 anos atrás, com apenas 2 milhões e só nos grandes centros e nas capitais . . . No final deste século temos que alcançar o ínfimo patamar do seu começo. . . . Ora, veja! Pra que um país de semiescravos com tanto doutor formado nas universidades sertanejas?... As limitações agora impostas, estas, sim, têm muito mais valor!... Desinvestir na educação é o modelo atual e ideal de gestão. . . . A esse respeito, a Nação desinformada parece dividida ou fracionada... E, numa nação desinformada, desinteressada e esfacelada - sabemos -, prevalecerá a nossa força . . . Pra aumentar nossa riqueza, valem mais os índices da economia, todo o resto é vã filosofia. Não acreditamos que esta Nação possa crescer pela via do saber. E o que nos garante e nos fortalece é a indiferença dos que não leem, tudo aceitam e nada reclamam, aconteça o que acontecer nos recônditos do poder. A consequência – e isso nos anima a prosseguir – é o servilismo e a subserviência ao nosso sub-reptício mandonismo . . . Nosso poder é impassível diante da dor e do infortúnio dos semiescravos e daqueles que tentam eliminar as raízes desse escravismo. Nosso poder é carrasco contra o fiasco de quem luta pelo saber. Nosso poder será mais eficiente na medida em que o País retroceder. Nosso poder é fazer descer cada vez mais os que nunca sobem. Nosso poder é impor a ordem para que todos saibam obedecer. Não fosse assim, como iríamos sobreviver? Nosso poder quer esta Nação dividida, igualmente fracionada: de um lado, o "nosso" Progresso; do outro lado, a desordem, o nada, a degradação dos que nada são e nunca progredirão . . . Numa nação assim propositalmente FRACIONADA, pouco importa para nós (numeradores, racionais e radicais) a pecha de ORDINÁRIOS. Seja como for, trataremos sempre os demais (denominadores e irracionais bajuladores) como meros DECIMAIS DECIMAIs DECIMAis DECIMais DECImais DECimais DEcimais Decimais Decimais decimais desce mais ... . Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 27/05/2016
Alterado em 14/07/2016 |