GIRASSÓIS, VOYEURS DO SOL
Olhos de girassóis, guarda-sóis amarelos, sóis minúsculos, pequenos lenços de amarrar cabelo. ... Sol e girassol, às vezes, nós: paixão cega, cegueira a dois, mútua entrega. ... Nós, às vezes sós: lençóis desbotados, tempo nublado, vento, chuva, visão turva, escuridão, solidão. ... Um girassol sem Sol: corpo encharcado, alquebrado, despetalado, esperança do inesperado momento do atendimento ao clamor das luzes, do esplendor e do calor de ontem. Temor do mau exemplo do mau tempo: plantações devastadas, sementes espalhadas, desperdiçadas. ... Sol à escuta, ouve o reclamo, deitado no horizonte, sob lençóis enevoados. Raios volteados cobrindo a companheira – uma das quatro estações –, beija-a e se despede. Súplicas e emoções: ele promete que volta; ela promete qu´o espera. ... Salto súbito da cama, Sol em chamas, qual quimera, tudo incendeia. É novo dia: dia de mudar de companhia. ... Em outra estação, saiu da Linha do Equador em busca de novo amor, nova paixão. Paixão de astro gigante, errante. Anseio e receio de nova ilusão. ... Saudade da Primavera, dos lençóis dependurados nos varais de sua janela, noutro tempo, noutra era, naqueles febris encontros doutra esfera. ... Dedica-se, agora, à cata do clamante girassol em finitude, nalgum jardim estendido: resto ressequido de um último vendaval. Encontra-o. Sombrio quintal. Dá-lhe nova luz e abre algumas frestas entre os galhos para bem enxergar-lhe enquanto arde, entre a aurora e o arrebol da tarde. Ergue-o do chão. Restitui-lhe a direção. Afinal, mesmo ao limiar da noite, média luz crepuscular, vê-se ainda fonte de vida, seu milenar ofício, ou vício, ao ser recepcionado pelo Solstício de uma nova estação: Verão. ... ... Com gente não é diferente. O homem se vê sol maior: multicausal, poligâmico, quente. O mundo gira aos seus pés. É, no entanto, um penitente girassol, do Sol dependente voyeur. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 28/10/2016
Alterado em 31/10/2016 |