FELIZ NATAL, DONA DOLORES !
Já não vive da caridade de estranhos, graças à minguada pensão assistencial. Ainda jovem, perdeu dois irmãos no naufrágio de um navio carregado de “heróis”. Lutariam na Segunda Guerra Mundial por uma causa que ambos desconheciam. Meses depois, pai e mãe morrem de tristeza: “causa-mortis” comum nas guerras. Sozinha, mesmo sem nada saber fazer, buscou algum trabalho noutras plagas. De linhagem desconhecida, tudo lhe era negado: crédito, moradia, pão e água. Carente de tudo, isolada socialmente, bem-apessoada "felizmente", prostituiu-se. Inexperiente mulher da vida, ganhou um filhinho de paternidade desconhecida. À noite, filho a dormir sozinho em casa, cumpria na rua o aviltante expediente. Ano Novo, réveillon no cabaré, presença assídua nos últimos três finais de ano. Pipocar de fogos de artifício, instinto maternal move-a de volta pra ver o filho. Vê o barraco vazio, a janela sem escora, e seu grito de dor se escuta lá fora. Ainda na madrugada, faz busca desesperada por toda a vizinhança: vã correria. Enlouquecida, trocou a profissão pela de pedinte nas cidades circunvizinhas. Se não tinha fotos do filho - tampouco o havia registrado -, debalde procurá-lo !... Perdeu a luta contra o tempo, já carcomida e à toa, na periferia de João Pessoa. Lá, um morador de rua, que a admirava, repartia com ela alimentos que encontrava. Um dia na praça, afinal, uma alma caridosa a ele ofereceu bela Cesta de Natal. De pronto, divide-a com a velhinha amiga, a quem confessa sua origem obscura... E, na saudação da ceia: - Feliz Natal, dona Dolores! - Feliz Natal, MEU FILHO!... Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 03/12/2016
Alterado em 22/12/2016 |