A MÁQUINA DESINVENTA SEU INVENTOR
Há tanto tempo, em locais incertos,
era da pedra lascada, pedra polida, era do homo habilis, homo erectus... esquisitos metais, esquecidas eras. Pedras, rochedos, troncos pesados: alavanca, pau-ferro, ponto de fulcro. Volume mais leve, ombros aliviados. Microesforços para cada giro macro. Tantas vezes a rebolar sobre a terra, figuras geométricas viraram esferas. Homo sapiens vê, descobre a roda e faz a roldana, com força direcionada. Para cada descoberta, mil invenções. Inventa a máquina a vapor, calorenta, fumacenta e que muita força ostenta: êmbolo e cilindro lembrando injeções. Código Morse: transmissão-recepção, ponto-linha-linha-ponto, decodificação de mensagens, locais e internacionais. Internautas, telegrafistas: ações iguais. Mente em ebulição, inventa o telefone, rádio, automóvel, bonde, navegação e, no espaço, brinca de esconde-esconde com os pássaros, dando asas ao avião. Descobre a imagem, projetada pela luz, e encena filmes, mudos, claro-escuros. Aperfeiçoa: cores, som, foco, nitidez e "A bela adormecida volta para o futuro". Encurta distância, transpõe velocidade, todavia, sonha em ultrapassar a rapidez de uma só vez, por fátua ingenuidade?! Talvez preveja outros céus além do seu! De carona para o além, a nave espacial para no satélite que sobre a Terra flutua. E o vácuo não frustra sua invasão à Lua. Início do domínio de todo espaço sideral. Agora, até sem uso de força, ultrapassa seus limites - velocidade, produtividade, ciência, técnica, habilidade, praticidade - e a fé tecnológica é a razão das massas. Em qualquer espaço ele se vê nas telas, comunica-se sem fio, obtém privacidade, trabalha sem horários, redfone na orelha, maquininhas à mão, pressa e ansiedade. Encanta-se com sua própria escravidão. Arma-se: bandido ou herói de videogame. Morte banalizada; matar é nada: diversão. Que o chip do "nada ser" logo se queime! Mensagens: diversidades e adversidades endereçadas e interpretadas mundo afora. Supérfluos superando as essencialidades. Apelos consumistas que mentes devoram. Amizades desgastadas com a automação. Homem, memória auxiliar dos seus robôs, deleta o afeto, o amor, a emoção... e, sem hesitar, põe tudo na lixeira do computador. O homem tudo tenta, inventa, transforma e moderniza; malevolente, sofistica armas bélicas: ponto de fulcro de alçados lucros. E o bem da humanidade é mero simulacro. Em suma: corpo e alma são codificáveis, obesos de vírus e de sinais indesejáveis. Falar "olho no olho": postura embaraçosa. Preces e orações: palavras ignominiosas. O invento da máquina envolveu muito suor e sangue; desejava-se produção em série, descanso e prevenção de mil intempéries; mas - na TV - o cenário é de filme de terror: A máquina desinventa seu próprio inventor. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 25/01/2017
Alterado em 27/01/2017 |