FALTOU-ME O VERBO (2)
Tua esbeltez me fez confuso. Eu te desejei e segui teus passos bem de perto. Tu me olhaste indefesa, destemida, sem malícia. Parei, envergonhado com o teu gesto inesperado. Num repente, esqueci mil verbos do teu idioma. Só lembrei do “eu te canto” e do “eu te tocarei”. Pensei ter escutado o teu "sim" - pura obsessão. Mente esvaziada, procurei outros verbos; nada! Encontrei-os ultrapassados, todos fora de uso. Minha insensatez inda inventou o verbo “talvez”, de gênero incomum, mas singular no meu falar, intransitivamente dúbio, todavia substantivado. Quebrei a inútil harmonia das regras gramaticais. Meu sonoro verbalizar virou impulsiva estupidez, abundante nos modos defectivos do passado. Estupefata, ouviste tão pecaminosa verbosidade. Embora assustada, te afastaste silenciosa, levando contigo teus predicados anômalos, explicitados na ênclise e mesóclise de teus quadris. Teu leve sorriso virou verbo de ligação onipessoal. Aí, retornei rua afora, solvendo as metáforas do teu andar e de tua sinuosidade mais-que-perfeita, flexão e desinência que instigaram minha insistência. Tu te escondeste de mim, ou te perdi de vista. Desde então, agora adulto, não encontro um verbo que expresse minha timidez ante aquele teu charme. Até sonhei te amando no futuro de um verbo oculto, quiçá o meu “talvez” se enlaçando com o teu vulto... Mas o verbo não era verbo, tampouco se fez carne. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 17/04/2017
Alterado em 20/04/2017 |