MEU PÉ DE POESIAS
Certo dia, plantei um pé de poesias. Tá por aí, disperso nalgum jardim, certamente esperando por mim, cheio de ramas de tamanhos diversos e ritmadas ou descompassadas rimas. Nele coexistem, paradoxalmente, embora de forma pacífica, no mesmo terreno da morfologia, ramas tenras de rimas pobres enxertadas na ramagem mais grossa das rimas ricas. Necessita do Sol, do luar, da brisa e da inolvidável luz divinal, quiçá, pra desafiar a escuridão da solidão. Nutre-se de sonhos de amor ou das dores incuráveis do desamor. É regado pela teimosia de lágrimas, que o travesseiro enxuga, e perfumado pelo odor da mulher que acaso passa e de uma flor se engraça. Tem cor, sabor e dissabor. Cultivo-o, e ele cresce ou decresce segundo meu mutável interesse e os extremos de minha liberdade. Por um tempo desamado, ou desalmado, deixei-o de lado: murchou e eu virei nada sem ele. E suas folhas secas caíram no chão, enquanto as ainda verdes, com sede, me imploravam água e compaixão. Se alguém lhe arrancava uma flor, já nem se ouvia o seu pranto de dor. Arrependido, voltei e, condoído, lhe fiz uma poda, ficando no chão as espalhadas sobras, que o vento levou e as esparramou numa ingênua brincadeira de rodas. Crianças pensavam que era verdade que o cravo brigara com a rosa, como na cantiga inocente. Apanharam, pedaço a pedaço, cuidadosamente, puseram-nos num pacote com um laço e deram de presente a um poeta como eu, persistente. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 08/10/2017
Alterado em 18/10/2017 |