O VELHO CÃO E SEU RETIRANTE DE ESTIMAÇÃO
Longo caminho, cheio de espinho. Mulher e filhos cansados, empoeirados. Sol escaldante. Enfim, encontra o rio: leito e estômagos vazios. Filho adoece: mulher faz prece. Ele pensa em matá-lo, inda alisa o gatilho. Quer se livrar de o arrastar: "Se não morre de bala, feito homem, morre de fome". Areia quente: nenhum animal, nem gente, nem sombra pra compensar o dia ardente. Anoitece e, sem luar, tudo escurece. Pra não gastar forças, fala baixo, fica quieto. Baleia por perto, pedindo alimento, late. Dá-lhe combate: um soco fê-lo calar. Cansado e desesperançado, no colchão de areia adormece. "Leito estranho o do rio, sem teto ! " Começa a sonhar. No sonho, filho morre mas o deixa contente: enterrado numa rede, como indigente... Acorda assustado. Vê o filho, recuperado, a brincar com Baleia, que, nos dentes, trás um preá de presente, recém-encontrado, enterrado na areia. Esfomeado, preparou o almoço, sem sabor, aguado, destemperado... Muito agradecido, deixou para Baleia o couro endurecido e um pedacinho de osso. __________________________________ Notas: 1) inspirado no romance "Vidas secas", de Graciliano Ramos;
2) assumimos despesa postal do n/livro: "Em Cabedelo, numa casquinha de noz". _____________________________________________________________
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 18/01/2018
Alterado em 22/01/2018 |