COMEU UM PREÁ ATÉ A OUTRA FOME CHEGAR
Continuação de: “O velho cão e seu retirante de estimação” (Id 6229647) E a família comeu um preá,
já sentindo a outra fome chegar. Marido, mulher e mais dois inocentes retirantezinhos, sob o Sol, no silêncio do nada, puseram-se a caminho. Algumas léguas andadas e o esperto cãozinho, Baleia, empina as orelhas, arrebita o rabo e sai, azougado, em disparada. Do leito seco do rio, sobe a ladeira da área abandonada. Encontrara uma cobra engolindo um sapo: nada de sobra. Pai da família pensa ligeiro: se há cobra, há comida, há vida... Todos sobem pra descansar à sombra de um juazeiro: pode aparecer um outro preá; dormem por lá. Manhã cedo, avistam uma casa, sem ninguém morar, e ali se abrigam. Investigam: ao derredor, muito esqueleto de gado; negrume de urubus esfomeados; chiqueiros de cabra arruinados; um barreiro vazio; catingueiras murchas, tanto quanto a bunda e os seios da mulher, que, de tão fraca, já não se aguentava de pé, suja, vestida de um molambo esfarrapado, não tinha que ver uma bruxa ! Só não lhe faltava fé: nada era seu, também nada encontrara pra sobreviver, mas havia cinza, isto é: havia sombra de sobra. Convenceu o marido para ali permanecer. Pelo menos, um lugar decente para a família morrer. _____________________________________________ Notas: 1) inspirado no romance "Vidas secas", de Graciliano Ramos; 2) aos interessados na obra "Em Cabedelo, numa casquinha de noz", informamos que as despesas de remessa registrada, via Correios, ficam por conta do autor. _________________________________________________________________ Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 22/01/2018
Alterado em 26/01/2018 |