SAUDADE DE UMA PLANTA QUE EU CHAMEI IOLANDA
_____________________________________________ Para o texto: Saudades de Aurora (minha mãe) De: Dorinha Araújo _____________________________________________ Saudade de alguém que,
fisicamente, não mais me sente, não mais me vê, não mais me vem, não mais me nina... É a vida... No meu pomar, uma árvore estava sempre a frutificar. Dei-lhe o nome de minha mãe - Iolanda - e, quando não amparado por sua sombra, ficava a lhe admirar à distância, lá de minha varanda. Chegou o momento em que aquela bela planta parou de produzir. Depois foi perdendo os cabelos, digo: a folhagem. E eu, temeroso de perder a sua sombra, ainda quis insistir com algum remédio, digo: adubação. Mas ela parecia não entender minha dedicação, obrigação, ou devoção. Comecei a perceber que a Natureza é implacável. Fez com que ela, por toda uma vida envaidecida, se despreocupasse de sua própria imagem. Sua esbelteza foi se desfazendo em gravetos, garranchos que davam a ideia de seu último esforço para escrever e se descrever. Ainda recordo sua última folha balouçada pelo vento, como se fosse o seu último aceno. Juntei seus restos num recanto. Como num túmulo à superfície, até o menor de seus pedaços guardei numa célula de compostagem que eu mesmo construí. Ali estavam os restos mortais de uma árvore que me via todos os dias. O tempo transformou esses restos em cinzas. Tudo um dia vira pó, vira cinzas. Colhi-as, cuidadosamente, e, com uma pá, comecei a espalhá-las (como adubo) sobre as raízes das outras plantas que iam nascendo, revigorando-as. É assim a vida: das plantas e a dos plantadores, das sementes e a dos semeadores. Deus apenas governa essa visível e incontestável vida eterna. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 25/05/2019
Alterado em 25/05/2019 |