E O VÍRUS RONDOU A FAVELA
Faltava tudo na casa do pobre homem, só não faltava fome. Como essa desgraça é coisa pra se matar, um vírus armado rondou por lá. Casa sem porta, faltava trancar. Como era de se esperar, ao reles morador algo mais faltou: faltou-lhe o olfato. Até já se acostumara com esse "nada ter". - "Ora, se aqui todos suportam o mau-cheiro da lama e nem mais reclama, olfato pra quê?!"... Também era asmático. Ar falto. Remédio mais ouvido: - "Mãos ao alto!"... Digo - pra ser mais enfático: ...o remédio mais ouvido na entrada de um ouvido antes de ouvir o estampido... - "Quem me socorre?"... Como sempre, ninguém. Faltou o afeto. - "Então leve, leve sim, leve tudo o que tenho, ninguém se apieda de mim, mas me salve a vida!" - "Ai, Senhor, nada dói mais do que a falta de amor!"... Única sentimental saída, prenúncio de despedida: É que o vírus, atlético, patético e antiético, por não ter encontrado nada, tirava do nauseante moribundo o que ele inda lutava pra não perder, acreditando ser-lhe dalguma valia, mesmo neste degradado mundo, onde ninguém o ouve, onde ninguém o socorre. onde toda ilusão é vã - e morre. _______________________________ Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 31/03/2020
Alterado em 03/05/2020 |