1º DE ABRIL DE 1964:
UM GOLPE NA VERDADE - Capítulo I Quase duas da manhã do dia primeiro de abril de mil novecentos e sessenta e quatro. Céus!... Clima de tensão ou mais convulsão social no ar. Eu, jovem estudante atento (23 anos de idade), ouvido grudado nas emissoras de rádio - Nacional, Tupi, Mayrink Veiga... - escutava e me arrepiava com as primeiras notícias da tomada do poder pelas forças armadas brasileiras. Fazia poucos dias, havia me submetido a concurso público para ingressar numa sociedade de economia mista (estatal) e esperava estar entre os primeiros classificados. E agora?!... Meu sonho de repente virava pesadelo. Tudo cairia por terra!... Antenado, assustado com o rebuliço daquele instante, não consegui dormir. Pior: chegou o momento em que as emissoras pararam seus noticiários. O silêncio é desesperador quando a verdade se encolhe e dorme. Nos jornais do dia seguinte, eu queria ver as verdades daquele 1º de Abril. Jornais incompletos. Colunas ou páginas inteiras em branco. Virava-se uma página de nossa história. No meu entender, um simples prolongamento da liberdade de mentir, de rir, de gargalhar, de sorrir, de se divertir com aquele trouxa que caíu em nossa cilada de 1º de Abril. Notícias raras e propositalmente disparatadas. Tomei um trem, em Cabedelo, e fui à escola, em João Pessoa. Soldados nas ruas, perfilados. Por que não nos quartéis?!... Pretenderiam impedir o meu direito de ir-e-vir?... Meio assustado, contornei parte da lagoa a pé, apressado. Quase ninguém possuía carro naquela época. Cheguei à escola. Haja soldados!... Que é da alegria de todo dia?!... Outro silêncio. Todos os colegas já recolhidos em suas salas. Subi a escadaria. Dessa vez, só e desconsolado. Em cada degrau, eu, somente eu. Acho que até chorei com a tristeza da escadaria vazia naquele momento. Estava inaugurado o "Dia do Eu". O dia a partir do qual ninguém mais confiaria no outro, mesmo no velho Lyceu, onde somente as coisas boas a gente dizia e aprendia. Grupo de pessoas palestrando, cantando, estudando, passeando, reivindicando... Não, não mais estava permitido. Ao atingir o último degrau, nada de alegria, tudo lembrava mais um funeral. Segui. Alcancei o segundo piso - ninguém nos corredores - e adentrei na sala de aula. Silêncio mórbido. Que é do nosso líder?... - Gritei. Eu sabia que ele teria algo a nos informar, mesmo com o silêncio dos jornais e das emissoras. Ele anotava tudo. Que é do nosso líder?... - Insisti. Cabisbaixo, um colega me aponta o recanto da sala. Alguns soldados lá estavam, displicentemente sentados e segurando os seus rifles, não para aprender (bem que deveria), mas para prender. Amargurado, ainda hoje amargurado, vi levarem o nosso bem informado líder e um de nossos mais dedicados mestres - algemados. Por quê ? . . .
Estavam proibindo o saber. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 06/04/2020
Alterado em 06/04/2020 |