NOSSOS ÍNDIOS SEMPRE FORAM ENGANADOS COM ESPELHINHOS
______________________________________________________________Investigando a História da Paraíba, li os dois volumes do livro "Cabedelo", do escritor, pesquisador, historiador e dramaturgo Altimar de Alencar Pimentel *. Lembrando os primeiros habitantes daquela cidade portuária, ele narra que os gentios não eram cobiçosos. Embora qualquer objeto que vissem nas mãos dos brancos quisessem para si, quando recebiam doavam-no para um outro. Também não tinham noção do valor das coisas nem do seu trabalho, sob nossa visão de "civilizados". Cortavam, arrastavam de muito longe e entregavam pau-brasil no porto do Capim (à época, Casaria), em João Pessoa - a ser exportado para a Europa -, a troco de espelhinhos, cordas, apitos ou outras bugigangas. Nesses cinco séculos que se foram, mudou o quê?... A máquina escavadeira para garimpagem, de mais de R$ 1 milhão, encontrada, no início deste mês de agosto (2020), no garimpo ilegal em reservas Yanomami, terras da etnia Mundurucu, no Pará, com absoluta certeza não pertence aos indígenas. O senso crítico nos diz que, como de hábito, o índio está ali servindo de escudo para os garimpeiros que, ilegalmente, há cerca de dez anos, exploram (perfuram) suas terras. Exploração trocada por ninharia, algum produto de subsistência e medicamento. Com isso, barganham a permissão/liberdade de usar ilegalmente suas terras. Ainda se beneficiam com o trabalho braçal dos indígenas (não são tão preguiçosos assim, como amplamente se divulga). E daí!... Se estão pagando, qual o problema que existe nessa empreitada???!!! O grande problema é que os garimpeiros exploram, tiram até o último grama do ouro procurado e somem. Os índios, com suas terras arrasadas, ficam mais pobres e precisam mudar de lugar. Além do mais, não têm (nunca tiveram) participação direta na venda do produto altamente rendoso extraído de suas reservas. Cada aldeia explorada se torna uma nova "Serra Pelada" (considerada totalmente improdutiva pelo INCRA). As reservas indígenas - todas - poderão se tornar uma única e desértica "Serra Pelada". Raciocinando, debruçado em cinco séculos de história e na necessidade de sobrevivência dos indígenas, o que se pode deduzir é que o índio encontra na garimpagem uma tábua de salvação - assistência temporária - e, como quem se prostitui, entrega aos astutos exploradores, praticamente de mão beijada, o que para si, ao longo dos séculos, vem sendo de sumo valor, estimativo e não vendável: terra, flora e fauna. Os governantes, lamentavelmente coniventes com a exploração dos recursos minerais não renováveis (após desmatamento) e com a destruição moral do indígena, negam a esse povo, ou dificultam de alguma forma, adequados serviços de proteção social - básica e até mesmo especial - a exemplo dos estendidos às populações carentes das cidades. Tais serviços, noutras épocas, ficavam a cargo da FUNAI - agora propositalmente reformulada e enfraquecida. Leia-se: FUNAI - PROPOSITALMENTE REFORMULADA E ENFRAQUECIDA. Oportunistas e conhecedores desse abandono pelo poder público - e porque o mundo é dos vivos -, os garimpeiros ilegais se aproveitam da ingenuidade dos silvícolas (que, em relação ao nosso padrão de pobreza, vivem à míngua de tudo) e lhes oferecem: "espelhinhos" em troca de mão de obra barata e sem vínculo empregatício. Uma oferta com aparência de assistência contínua... Ledo engano. Findo o garimpo numa aldeia, acaba ao mesmo tempo o afago. Restarão as feridas na terra, que, abertas e insanáveis, obrigam os seus tradicionais habitantes a abandoná-las. Desconhecem os termos do "Parecer Vinculado", do ex-presidente Temer, informando que o índio só tem direito à terra que estivesse ocupando em 05/10/1988 (data da promulgação da Constituição Brasileira). Assistência "faz de conta", como a oferecida pelas milícias à população carente do Rio de Janeiro. É para lá que o poder conivente quer levar nossos indígenas?!... Onde, neste país, os índio poderiam viver como civilizados?... Mesmo se tratando de coisa ilegal - como toda a nação viu - o engodo na reserva Yanomami recebeu aprovação do vice-presidente da República, que lá esteve, junto com o ministro do meio ambiente, e nenhum dos dois apresentou uma ação específica visando a retirada dos mais de 3.500 garimpeiros ilegais ali infiltrados - pelo menos enquanto perdurar a epidemia do coronavírus ! . . . Tampouco vislumbraram a oferta de educação e melhorias sanitárias para aquele povo. Nada de planos para a recuperação e preservação do meio ambiente visivelmente deteriorado. Apenas o general vice-presidente aproveitou o episódio pra dizer que índio não tem que viver segregado nas matas e que precisa ter acesso às coisas boas da vida (mencionando o espelhinho a que chamou de celular). Um posicionamento de total apoio à exploração ilegal da terra. É válido informar, por oportuno, que o excelentíssimo general vice-presidente comanda o recém-criado Conselho Nacional da Amazônia LEGAL. Esqueceu-se do significado do termo "legal". Esqueceu-se de citar as precárias condições de vida a que se submete o índio que, atraído pelas fajutas coisas boas que lhe amostram, muda-se para a periferia de uma desorganizada, poluída e desumana área urbanizada. Termina, não raro, na ebriedade e na mendicância. Nunca se esperaria outro proceder de quem, durante a campanha eleitoral, ligou o índio à "indolência" e o negro à "malandragem". Voltemos ao livro de Altimar. Quando do descobrimento, os chamados "índios" ocupavam toda a extensão litorânea do Brasil, e vêm sendo expulsos de suas terras desde a colonização. Os Tabajaras, considerados os índios principais do Brasil (Toba=cabeça e Iara=senhor) viviam numa grande área que ia da Bahia até Igarassu, em Pernambuco (Ygara=canoa e Usu=grande). Os Potiguaras (Poti'war=comedores de camarão) tinham espírito guerreiro e eram os mais numerosos dentre os gentios brasileiros. Habitavam uma grande área que se estende da Paraíba ao Maranhão. Os engenhos de açúcar instalados no Nordeste do país exigiam mão de obra escrava. Aí, haja aprisionamento de índios para o trabalho escravo: plantio e corte da cana para moagem dos engenhos. O auge da escravidão indígena, para esse fim, ocorreu entre 1540 e 1585. Os índios, mesmo sacrificados fisicamente, não toleravam a escravidão. Por isso, a pecha de "indolentes", atribuída pelos senhores de engenho e bem assimilada por seus adeptos. Considerando o alto custo dos escravos africanos, expedições de brancos invadiam as tribos de forma violenta. Sequestravam os mais jovens e mais fortes para os venderem aos engenhos. Somente os jesuítas faziam forte oposição a essa desumana transação. Os Tabajaras chegaram à Paraíba em 1584/1585. Fugiam de uma expedição de portugueses que, na Bahia, já haviam aprisionado cerca de 7 mil índios. Atravessando o rio São Francisco, atingiram as nascentes do rio Paraíba, em Monteiro-PB. Até alcançarem o mar, em Cabedelo, travaram lutas sangrentas contra os Potiguares, nativos daquela região. No final da viagem, ambas as tribus conflitantes faziam as pazes e (puro contrassenso) se uniam aos portugueses na luta contra corsários estrangeiros, principalmente franceses. Vencida a batalha, todos recebiam, de presente, cordas, apitos e espelhinhos - tudo a preço (por eles estimados) de uma máquina escavadeira para garimpagem - e iam brincar, pescar e comer camarão à beira-mar. (fernandoafreire) ______________________________________________________________ (*) Altimar de Alencar Pimentel (30/10/1936-21/02/2008), alagoano. Com a morte do pai (1945), mudou-se para João Pessoa (PB), onde completou o curso primário e cursou ginásio e colegial no Lyceu Paraibano. Bacharelou-se em Comunicação Social - Jornalismo - no CEUB/Brasília, 1976, onde especializou-se em Direção Teatral. Especializou-se, igualmente, na FEFIERJ (Federação das Escolas Isoladas do RJ) e UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Ingressou no magistério como professor de Educação Artística (Lyceu-PB). Professor de Direção Teatral e Técnicas de Comunicação na UFPB. Dirigiu o Teatro Santa Roza/J.Pessoa e o Departamento de Extensão Cultural do Estado da Paraíba. Coordenou o Núcleo de Pesquisas e Documentação da Cultura Popular/UFPB. Dirigiu a Rádio Correio da Paraíba. Presidiu a Comissão Paraibana de Folclore. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Membro da Academia Paraibana de Letras. Secretário da Educação, em Cabedelo-PB. Pesquisador incansável, produziu trabalhos teatrais consagrados nacionalmente. Com a peça "Como nasce um cabra da peste", conquistou mais de 40 prêmios pelas apresentações na Paraíba, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. Realizou 20 apresentações em Portugal e em Cabo Verde. Proferiu palestras em eventos culturais/folclóricos no Brasil e em outros países. Recebeu o título de cidadão cabedelense, onde viveu grande parte de sua vida, deixando um grande legado cultural para Cabedelo, Paraíba e para o Brasil. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 20/08/2020
Alterado em 06/09/2020 |