MACHADO DE ASSIS EM GAZA
Transcrevo, condensados, dois capítulos - XI e LXVIII - da obra "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Ambos se complementam e nos fazem refletir sobre a razão, quase secular, de os judeus israelitas - que tanta amargura sofreram durante o holocausto nazista - tratarem, a pão e água e sob preconceituosas chicotadas, os palestinos que ainda ousam sobreviver no entorno de Israel:
Capítulo XI - O MENINO É PAI DO HOMEM "Cresci naturalmente como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos sejam menos matreiros e, com certeza, as magnólias sejam menos inquietas do que eu na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem, Se isto é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino. Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de "menino diabo" e verdadeiramente não era outra coisa: arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Um dia quebrei a cabeça de uma escrava, por me negar uma colher do doce de coco que estava fazendo. Não contente, deitei um punhado de cinzas ao tacho e ainda fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce,"por pirraça"; eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio; eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia - algumas vezes gemendo - sem dizer palavra, ou, quando muito, um "ai nhonhô", ao que eu retorquia: "Cala a boca, besta!"... ... ... Minha mãe doutrinava-me a seu modo, fazia-me decorar alguns preceitos e orações, mas eu sentia que, mais do que as orações, me governavam os nervos e o sangue... De manhã, antes do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse, assim como eu perdoava aos meus devedores, mas, entre a manhã e a noite, fazia grande maldade, e meu pai, passado o alvoroço, dava-me pancadinhas na cara, e exclamava a rir: Ah, brejeiro! Ah, brejeiro!" ... ... ...
Capítulo LXVIII - O VERGALHO (*) "Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo (**) fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu-mas um ajuntamento. Era um preto que vergalhava (chicoteava) outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: - "Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!" Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. - Toma diabo - dizia ele - toma mais perdão, bêbado! - Meu senhor! Gemia o outro. - Cala a boca, besta! Replicava o vergalho. Parei, olhei... justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o moleque Prudêncio, o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me. Ele deteve-se logo e pediu-me a bênção. Perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele. - É, sim nhonhô... ... ... Logo que meti mais dentro a faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino e até profundo. Era um modo que Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas outrora recebidas - transmitindo-as a outro (...). Prudêncio agora era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!" _____________________________________________________
No fim do extermínio palestino, ouvir-se-á dalgum vergalho israelita, descendente de quem foi humilhado e torturado no holocausto, esta mentira inventada por Hitler: - "Prestei um serviço a Deus". Cabe ao leitor depreender dos textos acima, se há verossimilhança entre os atos de represália praticados por Prudêncio (no passado) e, por exemplo, Netanyahu (no presente). Com a intenção de promover um harmonioso debate sobre o tema, analisarei detidamente os comentários mais construtivos, transcrevendo-os como interação no rodapé deste trabalho.
(fernandoafreire.net)
______________________________________________________ (*) Vergalho - chicote feito com o órgão genital do boi ou do cavalo, encomendado pelos "senhores" para a tortura de seus escravos. (**) Valongo - local onde os escravos eram negociados. ______________________________________________________ Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 01/12/2024
Alterado em 02/12/2024 |