![]() TINHA UM PASSARINHO NO MEIO DO CAMINHO (*)
Tinha um pássaro ferido e esquecido no meio do caminho - supôs o menino, ao encontrar uma pena ensanguentada. Ao lado da pena tinha uma pedra, bem no meio do caminho.
Tipo perseverante, apressou a caminhada, passos esticados e passadas mais largas. Pouco adiante, achou outra pena, igualzinha, meio encoberta de sangue e de cor brilhante. Garantiu-se, pois, de que tinha um passarinho apedrejado no meio do caminho.
Aumentou o ritmo da corrida, respiração ofegante, até encontrar a avezinha, ferida e já agonizante. Sustara o seu voo a pedra ferina antes encontrada, arremesso de uma atiradeira em mãos malvadas, lá no meio do caminho.
Zeloso, tomou nas mãos o passarinho mutilado e, em impassível seminudez, envolveu-o em sua camisa. Imaginava-o sedento, desidratado, ansioso, sufocado... Cresceu sua agonia ao inferir que água ali não havia, tampouco encontraria ao retornar do meio do caminho.
De volta a casa, faz da sala de jantar um leito hospitalar. A mãe, concorde, ata com cordão umbilical as chagas do pobre pássaro acidentado que o filhinho socorrera no meio do caminho.
Dia seguinte, o pássaro mãe pousa no peitoril da janela. Trouxe no bico o alimento escolhido para o seu filhotinho que, aliás, há dias não o via, desde a perseguição sofrida no meio do caminho.
Noutra visita da ave mãe, os dois cuidadores, com muito carinho, põem perto dela, na janela, o filhote recuperado. Aí, os dois entreolharam-se e, num gorjeio agradecido, esvoaçaram-se, saudando o amor que lhes foi medicado naquele hospital fraterno e maternal, mais que emergencial. Voltaram a sobrevoar o mesmo lugar, conquanto atentos às pedras maldosamente atiradas no meio do caminho. ..... ..... ..... ..... ..... Outros pássaros, reconhecidos, fizeram ninho na caixa de passagem do ar condicionado do quarto do menino. Frustrou esse interessante plano a lei do condomínio. Certas leis são pedregulhos no caminho dos passarinhos.
O menino, então, sentindo-se agraciado, encontrou a solução: puxou o ninho para o seu quarto e o pôs em cima da estante. Mais tarde, em cada recanto, só ouvia cantos de passarinhos: gorjeios, trinados e sinfonias de pardais em seus caminhos.
(fernandoafreire.net)
______________________________________________________________ (*) Texto a ser revisado e compartilhado em antologia com os netos do autor. Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 01/03/2025
Alterado em 02/03/2025 Comentários
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